Educação

“Ler um livro é um diálogo com o dizível e o indizível”

Maristela Abadia Guimarães, 56, é graduada em Letras e Literatura. Fez mestrado e doutorado em Educação, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT, hoje atua como ouvidora titular da instituição. Nasceu em Minas Gerais, na cidade de Ituiutaba. No entanto, considera-se mato-grossense por ter passado a maior parte de sua vida aqui. Nesta entrevista, a doutora em educação fala sobre o livro “Ensino, Pesquisa e Extensão nos Institutos Federais da Amazônia Legal” resultado de estudos realizados por servidores dos Institutos Federais que compõem a região da Amazônia Legal. Além de discorrer sobre a importância do livro nas suas diferentes leituras, seu olhar para a escritura recai sobre seus estudos que se referem à análise das relações raciais nas mídias digitais como foco no pensamento social brasileiro. Confira!

Blog da Condessa – Comente, por favor, sobre o lançamento do livro, de sua autoria, “Ensino, Pesquisa e Extensão nos Institutos Federais da Amazônia Legal” que ocorreu no último dia 21.

Maristela Abadia Guimarães  – Então, o lançamento precisou ser reagendado porque estávamos realizando pelo google meet. Assim que começamos, sofremos a invasão de um grupo extremamente violento e foi, portanto, preciso cancelar. Na sequência, reagendamos para o dia 04 de setembro de 2020, às 18h (horário de Mato Grosso), faremos pelo sistema do Centro de Referência em Educação a Distância de Mato Grosso – CREAD – IFMT, no link https://www.youtube.com/watch?v=YO-TMcImeBI&feature=youtu.be fica aqui o convite para nos assistir.

Blog da Condessa – Como surgiu a ideia da obra?

Maristela Abadia Guimarães – Quem teve a ideia do livro, e quem me convidou para organizar, foi o professor e historiador Eder Carlos Cardoso Diniz, do Instituto Federal de Rondônia. Juntos, buscamos reunir estudos realizados por servidores dos Institutos Federais que compõem a região da Amazônia Legal. Assim, a obra reúne trabalhos desenvolvidos nos institutos de Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Maranhão, Tocantins. Além dos 19 artigos que versam sobre os mais diferentes conteúdos, a capa do livro é belíssima. Uma imagem altamente poética que ilustra o quão diverso é o conhecimento e saberes da Amazônia, autoria de Helton Bastos de Morais e Moisés de Jesus. A obra pode ser adquirida no site da editora Paco – https://www.pacolivros.com.br/ensino-pesquisa-e-extensao-nos-institutos-federais-da-amazonia-legal

Blog da Condessa – Os escritores da referida obra são mato-grossenses?

Maristela Abadia Guimarães – Os escritores são de vários estados do Brasil, todos residentes nas regiões que compõem a Amazônia Legal.

B log da Condessa – O que o leitor pode esperar da obra, do que trata?

Maristela Abadia Guimarães – É uma obra múltipla que destaca diferentes processos de ensino, pesquisa e extensão realizados nos institutos federais. Busca visibilizar a importância dessas instituições de ensino públicas e de qualidade em regiões distantes dos grandes centros. A Amazônia Legal é uma vasta região onde os institutos se instalaram e produzem inúmeros conhecimentos. Cito, dois textos para se ter uma ideia da multiplicidade desses saberes: “Contribuições do uso do celular nas aulas de Matemática no Instituto Federal de Roraima – campus Novo Paraíso” e “Agenda ambiental na administração pública no Instituto Federal de Educação do Tocantins”.

Blog da Condessa -Vivemos excepcionalmente devido ao isolamento social um momento de leitura?

Maristela Abadia Guimarães – Penso que vivemos mais na era do acesso às tecnologias, mas nem por isso as pessoas deixaram de ler. Penso que somos leitores e leitoras diários. Ainda que não queiramos, estamos todos a ler algo. Mas nada se equipara a ler um livro. É um mergulho. É um diálogo com o dizível e o indizível. Ler é mais que uma aventura, ler é sair de nós mesmos e ir ao encontro do outro. O livro é como um abraço, e é o que precisamos em tempo de isolamento social.

Blog da Condessa -Na sua opinião, sinônimo de ler é?

Maristela Abadia Guimarães – Permitir-se. Quando a gente lê a gente se permite repensar ideias, valores, sentimentos.

Blog da Condessa – Quando e como foi a sua estreia como escritora?

Maristela Abadia Guimarães – Não sei se sou uma escritora. Sou mais uma estudiosa. Meu olhar para a escritura recai sobre meus estudos que se referem à análise das relações raciais nas mídias digitais como foco no pensamento social brasileiro. Tenho um livro publicado em 2010, fruto da minha dissertação de mestrado, cujo título é “No meio do caminho tinha uma discriminação, tinha uma discriminação no meio do caminho: o potencial transformador das cotas raciais”, lançado pela Editora da UFMT. Além do livro, publiquei e publico artigos científicos sobre o tema. Já a tese de doutorado que defendi em 2017 também devo publicar em formato livro, mas ainda estou analisando quando e como fazer.   

Blog da Condessa – Quantos livros publicados? Comente, por favor, os mais importantes. Algum, em destaque?

Maristela Abadia Guimarães – Tenho um livro publicado, como citei acima. Gosto muito dele porque pensa na importância das cotas raciais para a visibilização do racismo e a discriminação racial no Brasil. Demonstra como a rede social é um instrumento onde os atos racistas circulam sem qualquer etiqueta. Este tema me é muito caro. A tese que transformarei em livro tem como título “O “Eu” Confronto o “Outro”: O que (Re) velam as Manifestações de Brasileiros sobre Haitianos nas Mídias e Redes Sociais Digitais”, foi uma extensa pesquisa realizada no facebook, twitter, Folha de São Paulo, G1 – de vários estados e Uol. Ambos são trabalhos que pensam a realidade brasileira, a formação do Brasil e como a internet é o lugar onde circula a vida social e onde ela acontece.

Blog da Condessa – Quem lê amplia o olhar, torna-se mais tolerante ao perceber na visão do outro formas de alargar a sua própria visão das coisas. Quem lê, consegue ter uma percepção mais crítica de tudo. Concordas?

Maristela Abadia Guimarães – Eu concordo que não é possível viver sem ler. E que existem pessoas que são sempre muito importantes na vida da gente para nos ensinar a ler. Desde criança, em casa, a gente lia. Meu pai e minha mãe liam para nós e compravam livros, gibis. Eu sempre gostei de ler. Depois na minha vida escolar, eu lia tudo que podia. Aprendi, depois, com minhas orientadoras, a quem sempre serei grata: Maria Lúcia Rodrigues Müller e Kátia Alonso Morosov que a leitura abre portas para o conhecimento. Hoje vejo que as leituras que fazemos refletem quem nós somos. Por isso, ler pode nos humanizar, mas também pode fazer o caminho contrário. O que somos depende, creio, do que lemos, como lemos. Como dizia Paulo Freire, em sua Pedagogia do Oprimido “a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo”. Significa dizer que a leitura nos constitui como pessoa.

Blog da Condessa -Que ações você considera válidas para ampliar o acesso ao livro?

Maristela Abadia Guimarães – Todas as ações são válidas. Remeto, por exemplo, a Clóvis Matos, já publicado por este Blog, numa bela entrevista “Apoio coletivo para garantir o “Inclusão Literária”. O que ele faz para promover a leitura é de uma beleza inigualável. Eu sou professora, não tem como ser professora e não gostar de ler. Eu leio com meus alunos em sala de aula, empresto livros, presenteio com livros. Os livros não podem ser objetos caros. Querer criar impostos para taxar livros, como se tem veiculado, é uma ação antidemocrática que dificultará ainda mais a leitura. Agir assim é ir na contramão do saber, é impedir que pessoas com menores rendas possam ler.

Blog da Condessa – Qual é o teu estilo/preferência?

Maristela Abadia Guimaraes – Eu leio de tudo, de teoria à poesia. Meu romance preferido é Memorial do Convento, de José Saramago. Amo Blimunda Sete Luas, a mulher responsável pela recolha de recolha das “duas mil vontades de homens e mulheres”.

Blog da Condessa – Como se dá o seu processo de criação, inspiração?

Maristela Abadia Guimaraes – Escrever para mim não é fácil. Vou juntando as ideias, mas elas vêm em momentos mais inusitados. Quando isso ocorre, saio correndo para gravar o que estou pensando. Como escrevo textos teóricos, procuro fazê-los de forma mais poética, menos sisuda. Leio autores sobre o que preciso escrever, remoo as ideias, coloco-as em diálogo e depois vou construindo.

Blog da Condessa – Qual ou quais os escritores que exerceram em você maior influência?

Maristela Abadia Guimaraes – Muitos. Vou tentar citar alguns, sabendo que serei injusta porque não conseguirei nomear todos e todas que fizeram a diferença em minha vida:

Mato-grossenses: Manoel de Barros, Lobivar Matos, Teresa Albués, Ricardo Guilherme Dicke, e os contemporâneos Isaac Ramos e Marli Walker – que acaba de lançar um belo romance Coração Madeira.

Na adolescência: Maria Odette de Barros Mott.

E mais: Carolina de Jesus, Guimarães Rosa, Alejo Carpentier, Edwidge Danticat, Conceição Evaristo, Solano Trindade, José Saramago. E para mim, a influência mais importante de todas, minha irmã, Roziner Guimarães que, em 1996, escreveu o romance Constância, premiado pela Fundação Jaime Câmara de Goiás, um dos romances mais sensíveis que já li e finalizo com um fragmento dele: “perceberam, senhores e senhoras, que de olhos tapados não são devorados pelos urubus. Mas os vermes se aproximam de vossas carnes. Abram, pois, o coração”.

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