Cultura

Um livro que simboliza união

A obra Fronteira Plural: tratado antirracista, representações e resistências em Mato Grosso – produzida por Maristela Abadia Guimaraes, Samira dos Santos Ramos e Emãnuel Luiz Souza – mais do que demarcar limites, convoca a pensar intersecções, áreas limítrofes e abismos da educação para as relações étnico-raciais na sociedade contemporânea e deságua na luta ininterrupta por políticas públicas inclusivas.

Maristela Abadia Guimarães, 56, é professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), onde atualmente atua como ouvidora titular da Instituição. Idealizadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro, Indígena e de Fronteira Maria Dimpina Lobo Duarte- NUMDI-IFMT. É graduada em Letras e Literatura, com mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).  Confira a seguir entrevista concedida por Maristela ao Blog da Condessa.

Blog da Condessa –  O que o leitor pode esperar da obra?

Maristela Abadia Guimarães – Fronteira Plural: Tratado antirracista, representações e resistências em Mato Grosso, publicada pela editora CRV, é uma obra inédita em Mato Grosso, pois, embora trate de questão nacional macro – o racismo estrutural presente e vivo na sociedade brasileira – foi tecida por autores, todos servidores do IFMT, mestres e doutores, membros do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro, Indígena e de Fronteira Maria Dimpina Lobo Duarte- NUMDI-IFMT.– São 20 artigos, divididos em 4 capítulos, que abordam as relações étnico-raciais em diferentes áreas do conhecimento, como, por exemplo,  matemática, literatura, educação, antropologia, educação física, tecnologia da informação, história, dentre outras. É uma obra autofinanciada, que celebra os dez anos de resistência do NUMDI-IFMT. O livro, apresentado pelo presidente do Núcleo, Willian Silva de Paula, traz um prefácio poético que chama à leitura e que aqui transcrevo: “espero que vejam esse volume da forma como eu o vejo, pois sorte eu tenho e tive de ler e de conhecer as mãos que teceram a escrita e me guiaram para um pedaço de sonho que faz meu querer acordar para a vida e ter a ventura de poder lutar e resistir! Boa leitura!”

Blog da Condessa – Que descobertas que você fez nessa imersão?

Maristela Abadia Guimarães – Organizamos o livro a três mãos: Samira dos Santos Ramos e Emãnuel Luiz Souza e Silva e as minhas. Organizar um livro é trazer à luz uma ideia, um sonho. Essa tríade de professores estuda há vários anos a questão racial e lutam diuturnamente na árdua batalha antirracista. Quando você se vê imerso em um plano de trabalho, quando convida outras pessoas para aloitarem,, usando uma bonita expressão da cuiabania, juntos; quando essas pessoas, cada um em sua cidade, em plena pandemia, vivem momentos em que a única coisa que nos assola é o medo, e vão juntos/distantes formando elos de uma mesma corrente, você vê aos poucos que é possível ainda construir. Por isso, esse livro é uma construção de elos que resistem. São educadoras e educadores que acreditam na educação, que acreditam no poder do conhecimento. Quando o livro ficou pronto, todos nós, autores e organizadores sentimos uma grande alegria, como se fosse um renascer. Por isso, quero trazer fragmentos do artigo “Capacitações tecnológicas como ferramentas para emancipação de povos indígenas do Xingú”, de Joelias Júnior e Rui Ogawa “O paradigma social por vezes rotula erroneamente os povos indígenas como retrógrados e avessos à tecnologia. […]. Ao executar o projeto de capacitação em audiovisual para as mulheres do Xingu, o IFMT contribuiu com subsídios básicos para que essas mulheres fossem capazes de utilizar equipamentos digitais, de modo que pudessem acreditar e defender valores como inclusão digital indígena, empoderamento feminino, formação indígena em audiovisual (…).” Saber que uma instituição pública de ensino reúne profissionais que buscam dar o seu melhor no exercício de sua profissão faz ver que um mundo melhor com a cultura da paz será possível.

Blog da Condessa – Qual a importância e o que representa pra sociedade o lançamento do livro?

Maristela Abadia Guimarães – A luta antirracista é uma luta coletiva, diária. O racismo não dorme, o combate também não pode piscar. Visibilizar o racismo, a discriminação racial, a sub-representação das populações negras e indígenas que vivem em condições de sociovulnerabilidade racial e étnica é o papel do NUMDI e de seus membros. Um livro é sempre um tratado e um convite ao conhecer. Por isso, quero aqui trazer, se me permite, alguns fragmentos de artigos, penso que são passagens que dirão mais sobre o livro do que qualquer resposta que eu pudesse dar. No capítulo 1, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena: Histórias, Trajetórias e Resistências, estão três artigos. Um deles, escrito por Anne Matos e Wilma Baia Coelho, registra-se: “Criados nas décadas de 1980 e 1990, os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (Neabs) constituíram-se (e ainda se constituem) como polos de formação política na luta contra a discriminação e o racismo no campo educacional”. No capítulo 2, Um Fazer Pedagógico para as Relações Étnico-Raciais, Carla Cordeiro considera que “Ao elucidar o aspecto estrutural do racismo no Brasil levando em conta o papel da educação nesse processo, procurou-se reconstruir o pensamento social e como as ideias de homens de ciência reverberam em ações e legislações que legitimaram práticas racistas que levaram à exclusão da população negra do sistema educacional, uma condição que passa a ser revista com maior contundência a partir dos anos 1980”. Por fim, se me permite, mais um registro, Emãnuel, em seu artigo, revela que “‘O Estado de Mato Grosso’, em linhas gerais, que tinha grande expressividade  no contexto regional e que por sua ampla divulgação e fácil acesso nos grandes centros, sobretudo em Cuiabá, acabou por fortalecer um discurso e  descrição racista e  contribuir para  referendar  a narrativa de pouco espaço e oportunidades dados aos afrodescendentes, por pouco problematizar as questões raciais e por utilizar, expressões, termos, simbologias  notadamente discriminatórias em seus textos”. Poderia aqui falar um pouco sobre cada artigo. O mais saboroso é devorar toda a obra e vir conosco no combate ao racismo brasileiro que nada tem de sutil.

Blog da Condessa – O que fascina você na cultura?

Maristela Abadia Guimarães – Para mim, cultura é comportamento. Cultura revela um povo em todas as suas nuances. Múltiplas são as culturas e cada uma deveria ser respeitada em sua essência. No Brasil não há uma só cultura, um só povo, uma só identidade, há brasis. Se entendêssemos isso haveria menos violência, menos intolerância. A cultura pode unir, mas também separar. Respeitar todas as culturas seria o princípio para a civilidade, estamos ainda engatinhando nesse sentido, mas o que me fascina na cultura é saber que há possibilidades de ser diferente e de amar a diferença.

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