Cultura

O protagonismo criativo de Guapo revela um caleidoscópio de sonoridade

Milton Pereira de Pinho, o Guapo, 68 anos, é cantor, compositor, escritor e pesquisador das tradições musicais. Guapo foi reconhecido pelo Ministério da Cultura, através do Prêmio Leandro Gomes de Barros, Mestre da Cultura Popular. Seu último livro NO LIMIAR foi indicado ao Prêmio Jabuti 2020. Natural de Cáceres (MT), sua obra exalta o rasqueado e sua relevante história. Denomina-se um autodidata em música e literatura. Nesta entrevista, exclusiva ao Blog da Condessa, discorre sobre um dos gêneros musicais aclamado no estado, comenta a cerca do impacto da pandemia no cenário artístico, pontua projetos, destaca tradições, comemora composições e livros, considera a evolução criativa, conta o início da carreira, entre outros.

Blog da Condessa – Comente, por favor, sobre o impacto da pandemia no cenário artístico.

Guapo – Foi um desastre, tal como aconteceu no esporte, visto que tudo que tem sua operacionalidade com o aglomerado humano sofre muito mais que as profissões que não precisam de contato de corpo presente com o público.

Blog da Condessa – Você tinha projetos em andamento antes de iniciar o distanciamento social?

Guapo – Não diretamente, mas havia acabado de lançar o meu último livro NO LIMIAR que aconteceu no dia 10 de março e que a venda foi atropelada na semana seguinte pela pandemia.

Blog da Condessa – Quando e como foi a sua estreia como artista, escritor, compositor, cantor?

Guapo – Primeiro apareceu o cantor devido às serenatas na década de 60 do século passado ainda em Cáceres, minha terra natal. Na sequência,  veio o violonista e compositor. Geralmente a maioria dos compositores começa a compor quando tem um instrumento como guia. Quando eu já cantava e tocava, simultaneamente já escrevia textos de poesias e pequenos contos. Tornei-me escritor no ponto de vista profissional quando lancei meu primeiro livro em 2010.

Blog da Condessa – Muitas adversidades no início da carreira?

Guapo –Todos os tipos de vicissitudes que um artista no começo de carreira sofre. Mas depois você acostuma, tal como o negro com a discriminação. Um dos tipos de ignorância e preconceito mais comum é o velho diálogo quando você conhece uma nova pessoa e ela pergunta: O senhor faz o que? E você e responde: sou músico e escritor. E ela insiste:  Mas trabalha com que? Ou trabalha aonde?

Blog da Condessa – Você acredita na tríade: talento, técnica e humildade?

Guapo – Sim, acredito. Tanto é que sempre digo que ser artista é uma coisa, ser estrela artística é outra coisa. A primeira é o verdadeiro artista, o segundo é um misto de marketing/exuberância/tecnologia e futilidades.

Blog da Condessa – Tens preferência por algum tipo específico de personagem, por escrever em que contexto, compor?

Guapo – Não. Sou um compositor multimídia. Componho obras tanto para eu cantar quanto para orquestra, trilhas para filmes, teatro, entre outros. Já com relação a arte cênica eu prefiro ser consumidor, sou apaixonado por cinema.

Blog da Condessa – Qual a tua percepção da cena cultural local?

Guapo – Por ser pesquisador local e pertencer a ideologia Vanguarda Nativista, vejo que seremos a nova onda neste milênio. O Brasil caminha para o Oeste e nós somos a última fronteira de uma cultura autóctone, dado que o grupo Flor Ribeirinha ganhou em 2017  o prêmio mundial de folclore na Turquia. Isso me dá convicção da minha observação.

Blog da Condessa – Ao longo da carreira, muitas premiações? Alguma em destaque pela relevância?

Guapo – Sim. O primeiro prêmio que recebi foi uma trilha em que eu juntamente ao músico Marques Caraí ganhamos na China e na França. Uma trilha feita para um desenho animado, intitulado Animando o Pantanal – produzido pelo grupo de cinema de Campinas (SP), ainda em 1989. Depois vieram outros como o Festival Ecológico de Santos (SP) organizado pelo SESC em 1990 quando a música Canto Guacho de minha autoria recebeu o 3º lugar, no entanto foi considerado o melhor tema/canto de alerta ecológico. Hoje ela sairá em agosto no meu último CD intitulado Pantanal Sinfônico, gravado pela extinta Orquestra do Estado de Mato Grosso. Em 2017 fui reconhecido pelo Ministério da Cultura, através do Prêmio Leandro Gomes de Barros, Mestre da Cultura Popular. São os que me lembro.  

Blog da Condessa – Qual o poder da arte?

Guapo – O poder da arte é inefável, pois só sentimos a sua presença quando nossas almas estão ardentes, tanto pela magia lúdica do entretenimento, quanto na ardência romântica somática ou social. 

Blog da Condessa –  O que mais fascina você nas artes, cultura?

Guapo – Exatamente o que respondi na pergunta anterior. O poder da sombra que embala corpos.

Blog da Condessa – Vivemos excepcionalmente devido ao isolamento social um momento de leitura?

Guapo – Sim. Embora o povo brasileiro não tenha o costume da leitura e reflexão, a pandemia está possibilitando essa importância. Mas eu não acredito que vai haver um tipo de mudança desse tipo. Nosso clima não ajuda, impõe mais para o entretenimento de corpos como danças em finais de semana, shows business, alta audiência em TV e redes sociais. É notável que nos países de clima temperado, o grau de leitura e leitores é dez vezes maior que no Brasil,  justamente por esse fator climático. Isso faz uma grande diferença.

Blog da Condessa -Na sua opinião, sinônimo de ler é?

Guapo – Desenvolver em primeira estância uma empatia psicológica com o autor. Após vem reflexão e prática, neste caso seria usar o conhecimento adquirido para trabalhar melhor tanto o seu comportamento pessoal de vida, bem como no seu trabalho seja na área jurídica, artística ou magistral e educacional.  

Blog da Condessa – Quando iniciou sua vida de artista ?

Guapo – Desde a tenra idade eu já auspiciava ser artista. Não tinha ideia em que área, mas já sentia.

Blog da Condessa – Qual foi o fator principal que a levou à arte?

Guapo – Penso que seria o princípio de autismo que tive e que atrasou minha alfabetização. Só aprendi a ler e escrever aos 10 anos. 

Blog da Condessa – Qual é o teu estilo, preferência?

Guapo – Na música regional eu sou mais nativista, uso a base da musicalidade matogrossense para compor minhas músicas. Já na literatura eu gosto de pesquisar e escrever sobre a cultura regional, em especial a musical. Porém, também sou apaixonado pelos romances contemporâneo, pós-moderno, poesias, contos e novelas. Meu estilo e preferência é multifacetado.

Blog da Condessa – A arte está presente no nosso cotidiano?

Guapo – Assim como a matemática que está presente em nossa vida desde quando respiramos pela primeira vez. Não é só a nossa sombra, como diz muitos analistas. A arte é como nossa mãe nos ensina e nos faz acreditar na vida quando nos ensina a mamar, falar, cantar, andar, mesmo que a vida não tenha nenhum sentido. Como disse o grande escritor Henry Muller“o futuro é dos poetas mesmo que não haja futuro”, corroborado com o grande Nietzsche “a vida seria um erro sem a música”.  

Blog da Condessa -Qual ou quais os artistas que exerceram maior influência na sua arte?

Guapo –Para mim é muito difícil enumerar tal acervo. Fui criado ouvindo e lendo tudo, desde cantores de Cururu e Siriri a Luiz Gonzaga, passando pelo jazz, Bossa Nova, música caribenha, tango e tantos outros. No entanto, cito alguns músicos: Mozart, Grieg, Strauss, Berlioz, Richard Wagner, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Villa Lobos, Chico Buarque, Vandré, Pixiguinha, João Nogueira. Os regionais como mestre Ignácio, Nardinho, Zé Correa, Dozinho Borges e Dino Rocha. Também tenho muita influência da música latino americana como Piazzola, Hermínio Gimenez, Athaualpa Yupanqui, Pablo Milanês, Victor Jara, Gabino Palomares, Violeta Parra, Chambuca Granda. Como sou pesquisador e ensinado pelo meu pai a ouvir todo tipo de música sou um caleidoscópio de sonoridade popular folclórica. Já na Llteratura vai de gibi até Shakespeare, passando por Kafka, Dostoievski, Maximo Gorki, Nietzsche, Baruch Spinoza, Albert Camus, Sartre, Milan Kundera, Marcel Proust. Os brasileiros Machado de Assis, Aluízio de Azevedo, Castro Alves, José Mauro Vasconcellos e Manoel de Barros. Da linha latino americana, Gabriel Garcia Marques, Roa Bastos, Júlio Cortazár, Jorge Luis Borges, Eduardo Galeano, Pablo Neruda.   

Blog da Condessa – O artista vê o mundo de uma forma diferente?

Guapo – Sim. Por isso eu vivo como disse o grande Pablo Picasso: “O artista não pode se afastar do povo para não se alienar e ficar vendo a vida de uma redoma”. É só mirar nas estrelas da música internacional pra ver isso. Por outro lado, tem tudo a ver com a frase de Mia Couto, através do dito popular de Tizangara: “O mundo não é o que existe, mas sim o que acontece”. O artista que se recolhe do povo começa a ver um mundo estático o qual ele lê nos jornais e isso o deixa obtuso para uma realidade que está acontecendo.

Blog da Condessa – Como se dá o teu processo de criação, inspiração?

Guapo – Sou completamente aleatório. Não sou do tipo que senta numa certa hora do dia ou da noite para compor música ou escrever um livro. Tenho música que levou de 10 a 15 anos pra completar, enquanto que outra foi feita em cinco minutos. Às vezes termino a melodia e somente outro dia é que faço a letra, ou terceirizo a outro parceiro. Quanto aos livros escrevo um capítulo de um romance, mas vejo depois que não dava encaixe para o próximo capítulo, então guardo e continuo escrevendo.. Só depois de vários capítulos é que percebo abertura para aquele trecho. É como se a minha existência escrevesse junto comigo.  

Blog da Condessa – A arte tem, por uma de suas metas, refletir o contexto social de sua época. Como ela se caracteriza nos tempos atuais e o que estaria refletindo sobre o mundo em que vivemos?

Guapo – No momento estamos no olho do furacão. Realmente é nesse momento mediante o caos, como disse Nietzsche, é que “ vai dar à luz uma estrela dançante”. Saberemos depois da pandemia. Ao longo da história vimos que depois de pandemias e guerras o ser homem desenvolve uma nova arte, por exemplo: Após a peste negra na Europa, nasceu o movimento da música Barroca e sua exaltação à vida e ao credo religioso, tal como a dança Tarantela que foi originada também nessa época e também na Itália. Após as guerras napoleônicas apareceu a valsa vienense que embalou o romantismo dançante em toda Europa. Na América do Norte, após a Guerra de Secessão americana, surgiu o Blues e o Jazz. Aqui na América do Sul, após a Guerra do Paraguai, nasceu o tango argentino, o rasqueado cuiabano e o samba carioca. Foi assim que o fenômeno humano se comportou e sobreviveu até hoje, mediante a esses fatos; encontrando e fazendo dos cacos e feridas uma maneira de voltar a vida. 

Blog da Condessa – A arte pode funcionar como uma válvula de escape para manter um maior equilíbrio emocional tanto daqueles que a “consomem” quanto dos que a produzem?

Guapo – No mundo físico e no extrafísico da consciência, as coisas acontecem binariamente.Tanto o influenciador, ou melhor, aquele que produz a arte, quanto o influenciado (que consome) se veem beneficiados congruentemente. Não é uma ação unilateral tal como acontece no modus operandi das religiões primitivas que idolatram os representes que se intitulam porta voz direto de um dito Deus que está no extrafísico. O verdadeiro mundo das artes é um mundo quântico no modo de ser. Não há superioridades. Tudo flui tal como as ondulações do universo.

Blog da Condessa – Como sobreviver de arte num país como o Brasil?

Guapo – Você foi bem papo reto ao dizer “sobreviver”. Eu acho que vou responder também assim: “se virando no zero”.

Blog da Condessa – Tuas obras tem alcance para todos os públicos?

Guapo – Sim. Faço rasqueado e chamame para o povo dançar na noite cuiabana, peças elaboradas para orquestra e MPB regional. Por outro lado, escrevo contos a partir dos ditos pantaneiro/cuiabano, escrito no linguajar, bem como romance pós-moderno como NO LIMIAR para os que pensam profundamente.

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