Cidades

Projeto proporciona a pessoas com deficiência visual a experiência de andar de bicicleta

Enxergar com as mãos, os ouvidos, nariz, pés, com a boca. Pessoas com deficiência visual podem romper os limites estabelecidos pela própria sociedade e por si mesmos. O projeto “Pedal além da visão” em Cuiabá (MT) iniciou em fevereiro de 2021. O projeto coloca todos em convívio social e oferece um momento único de liberdade. A possibilidade de andar de bicicleta pode parecer distante para quem tem pouca ou nenhuma visão, mas se torna realidade no “Pedal além da visão”. Confira a seguir a entrevista com o idealizador do projeto, Thiago Silva, com a ativa participante Mariana Leite, e com os guias  Edineivan Bacani e Pedro Henrique.

 Blog da Condessa – Quando iniciou o projeto “Pedal além da visão”?

Thiago Lima – Na prática, foi em fevereiro de 2021. Então nós já temos um ano de pedal, desde a  aquisição da primeira bike e da parceria dos professores Jonas e Zaire. Na sequência, outras pessoas com deficiência viram e gostaram. Mas, só tínhamos uma bicicleta. Aí eram voltas aqui pelo CPA mesmo. Posteriormente eu e a professora Natália compramos a segunda bicicleta e aí mais pessoas ficaram sabendo e queriam também participar.  Concomitante com iniciativas, fizemos algumas ações sociais e o projeto foi se desenvolvendo.

Mariana Leite – Eu comecei a participar a partir de junho de 2021 quando conheci o projeto e achei bacana, mas voltei ativamente esse ano.

Blog da Condessa – Qual o propósito do projeto?

Thiago Lima – Um grupo de amigos que resolveu pedalar, se divertir e conhecer os pontos turísticos. Conhecer um parque, um centro cultural. Andar por Cuiabá e Várzea Grande em locais onde você só tinha acesso de carro. Então esse que é o verdadeiro propósito. Atualmente nós temos mais de 80 integrantes, sendo a metade pessoas com deficiência visual e metade guias. Contamos com 13 bicicletas  e funcionamos em escalas de guias e guiados para que todos sejam contemplados.

Mariana Leite – Eu tenho baixa visão, mas a maioria acho que é cego, né?

Thiago Lima – Exatamente. A grande maioria é cego total. Então, hoje nós estamos passando por essa pandemia que já está há mais de dois anos e eu faço uma alusão: há pessoas com deficiência visual que vivem essa pandemia há mais de 15 anos. O que eu quero dizer com isso? São pessoas que não podem praticar outras atividades físicas, pois já perderam a visão numa fase sendo pessoa idosa. Mas para pedalar, não existe idade. No processo,  trabalha a mente, o corpo. E aí você consegue contemplar todos.

Blog da Condessa – Uma das principais dificuldades dos deficientes visuais é a mobilidade, o convívio social e um momento único de liberdade. É basicamente isso que o grupo oferece?

Mariana Leite – Certamente. Foi maravilhoso quando durante a pandemia descobri o projeto. Eu, pobre, nunca tinha andado de bicicleta na vida. Então andar de bike hoje para mim é uma sensação fantástica.

Thiago Lima – É indescritível. Na pandemia, mesmo se você perguntar para a grande maioria das pessoas com deficiência visual, ela vai dizer não fez a diferença. A única diferença é que tinha que usar máscara e álcool, pois o convívio social já não tinha mesmo. Já o pedal proporciona conhecer pessoas com outras culturas, outro pensamento. E isso nos leva a sermos mais críticos, a aprender a olhar e entender o outro. A interação social. É a inclusão na prática.

Mariana – Acho que a solidariedade no grupo, a união e a parceria, além do convívio social, é destaque no projeto.

Blog da Condessa – A bike utilizada pode ser conduzida por mais de uma pessoa?

Thiago Lima – Nós trabalhamos com rodízio. A única recomendação é da usabilidade já que são várias pessoas utilizando é preciso preservar o nosso instrumento principal, que é a bike.

Blog da Condessa – Quantas vezes por semana, horários, lugares/roteiro.

Thiago Lima – Nós somos um projeto independente. Somos um grupo de amigos e nós não temos CNPJ. Sendo assim temos o nosso próprio horário e autonomia para ir e vir.  Pedalamos frequentemente com o pedal da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) às terças feiras, geralmente na quinta vamos para um local histórico. Já aos domingos, quando tem algum pedal que os outros grupos marcam, nós vamos também. Mas também se surgir um pedal na segunda, vamos. Enfim, nós pedalamos de duas a três vezes por semana. Porém, se for o caso, pedalamos mais vezes.  Nas terças e quintas geralmente é a partir das 19h e pela manhã nos finais de semana e feriados.

Mariana Leite – Também somos convidados com frequência a participar dos pedais ecológicos.

Blog da Condessa – O que o motivou a idealizar o projeto?

Thiago Lima –  Eu sou uma atleta de alto rendimento. Sou de Alta Floresta (MT), com muito orgulho, e tive o privilégio de conhecer Cuiabá em 2006 quando fui inserido no  aprendizado da linguagem braile, na informática. Na sequência, eu tive contato com o esporte adaptado – o goalball. Foi a partir daí então que eu pude realizar o sonho de criança de vestir a camisa da Seleção Brasileira e ser vice-campeão do Panamericano. Já em 2010 eu estava cotado para ir para os Jogos Mundiais da Inglaterra. Então eu tive a possibilidade, jogando, de viajar pelo país e para o exterior.

Eu tenho colegas que pararam de jogar, ficaram em casa e não tinham mais nada para fazer. Foi aí que pensei na bicicleta, porque a bike agrega todos os valores, todas as idades. E aí você consegue manter a interação social, que para pessoas com deficiência é fundamental. Eu sempre defendo. Se você está com a cabeça boa, o teu corpo também vai estar bem. Então, porque não pedalar, conseguir agregar e trazer pessoas? Hoje nós temos pessoas no nosso pedal de 12 e 13 anos e nós temos pessoas até de 65 anos, por exemplo, que é o caso da professora Natália. E é uma das pessoas que pedala muito e que nos apoia na logística de guardar nossas bicicletas.

Blog da Condessa – Existe apoio para esse projeto como por exemplo institucional, político, empresas, doações voluntárias, entre outros?

Thiago Lima – Somos um grupo de amigos que nos ajudamos. Uma intensa interação de troca e diversão. Mas também temos a colaboração de outros grupos de pedais que nos repassam garrafas, roupas de pedais, entre outros objetos que necessitamos para a prática. Além de contarmos com a ajuda da equipe da Semob. Já o deputado Ludio Cabral nos contatou e nos repassou uma verba para fazermos a aquisição de mais bikes e de materiais esportivos o que certamente trará mais visibilidade e identificação para o nosso projeto: pessoas com deficiência visual pedalando pelas ruas de Cuiabá.

Blog da Condessa – Pessoas sem deficiência visual também podem desfrutar da sensação, fazendo o passeio vendadas?

Thiago Lima – Certamente. São fundamentais para o nosso desenvolvimento. São nossos guias, nossos olhos. Nós chamamos carinhosamente quem guia nossas bicicletas de guias por amor e nós que não enxergamos somos guiados por amor. As pessoas que são voluntárias no projeto vem para agregar , muitas frequentam a casa de pessoas com deficiência visual. Há uma interação muito bacana.

Mariana Leite – Muitos dos nossos guias não têm bicicleta própria, então eles também aproveitam para fazer a sua atividade física.

Thiago Lima-  Temos relatos de guias que contam que antes de conhecer o projeto estavam em um período de depressão e que hoje estão felizes.

Blog da Condessa –  Não há obstáculo, existe superação?

Thiago Lima – Talvez as pessoas não tenham a dimensão do bem que esse projeto faz. A possibilidade de andar de bicicleta pode parecer distante para quem tem pouca ou nenhuma visão, mas pode se tornar realidade. Pensando na atenção que é preciso dar à saúde dessas pessoas, o projeto coloca todos em convívio social e oferece um momento único de liberdade.

Blog da Condessa – Por favor, descreva o sentimento de pedalar com apenas 5% de visão em ambos os olhos por conta de uma  Ritinose.

Mariana Leite- Eu nunca tinha andado de bike até conhecer o projeto. Andar de bike é como colocar asas nos pés. O dia que fizemos 45 km  eu me emocionei muito. Foi magnífico pra mim que tenho menos de 5% da visão por causa da ritinose. Um sonho realizado.

Blog da Condessa – O que representa pra você guiar um cego na experiência de pedalar?

Edineivan Bacani (guia) – Pedalar pra mim é sinônimo de liberdade. Já guiar uma pessoa com baixa ou sem nenhuma visão é expressar minha alegria levando alegria também pra essa pessoa pra que ela possa sentir exatamente tudo de maravilhoso  que eu estou sentindo ao pedalar. Desfrutar da sensação.

Pedro Henrique (guia)- Uma sensação fora do comum. Indescritível. Até difícil de explicar. É fundamental passar muita confiança. Estamos conduzindo uma vida, descrevendo os lugares, passando a sensação de liberdade e de inclusão. E nós, aprendemos também a não enxergar, a ter a mesma sensação de liberdade deles. Pedalar com deficiente visual é muito gratificante.

 

 

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