Cidades

“O fator que mais favorece a ocorrência de crimes digitais é propriamente a falta de instrução”

A internet é como um portal para um novo mundo. A comunicação não tem descanso, a troca de informação é ininterrupta, a privacidade é escassa e os rastros são praticamente impossíveis de serem apagados. Todas as novas questões legais que surgem daí formam o que se chamou de Direito Digital. A advogada Lara Maria Gomes de Azevedo, 27, pós-graduanda em Direito Digital é especialista em resolução de conflitos oriundos no meio eletrônico. Confira a entrevista!

Blog da Condessa – Você passa boa parte do tempo na confecção e revisão de contratos?

Lara Azevedo – Sim. A elaboração e a revisão de contratos são os passos que necessitam de maior atenção dentro de uma negociação, posto que o acordo será a bússola que guiará o novo vínculo jurídico. Contar com o serviço de um profissional especializado no assunto, que saiba compreender a vontades das partes e garantir que suas necessidades sejam devidamente atendidas, bem como preencher os requisitos necessários para resguardar segurança jurídica do tratado, é essencial dentro de uma transação.

Blog da Condessa – Também há  cada vez mais a clientes que pedem remoção de conteúdo da internet, buscam impedir o compartilhamento de um vídeo ou que precisam provar que são inocentes por meio de detalhes técnicos?

Lara Azevedo – Infelizmente, sim. Em contrapartida com a rapidez na velocidade em que informações são disseminadas, outro aspecto que a internet trouxe foi a “eternidade” das publicações. Com a facilidade do ‘print screen’ a um clique, é possível que o conteúdo que o usuário esteja vendo na tela de seu dispositivo seja capturado e armazenado (o qual pode ser compartilhado quase que instantaneamente). Diante da falta de controle na temática das informações que são espalhadas, se tornou cada vez mais comum o cenário em que usuários da rede se sentem ofendidos com publicações alheias, aumentando exponencialmente o número de ações judiciais que buscam a reparação da honra do indivíduo. 

Blog da Condessa – A falta de delegacias especializadas é um dos principais problemas em relação aos crimes digitais no país?

Lara Azevedo – Em uma visão simplista poderia se dizer que sim. Entretanto, ao se adentrar na problemática, visualizamos que se trata de um problema estrutural. A meu ver, o fator que mais favorece a ocorrência de crimes digitais no país é propriamente a falta de instrução de como o usuário da rede mundial de computadores deve se portar. Sem o direcionamento adequado as pessoas utilizam as plataformas digitais sem qualquer cautela, negligenciando o cuidado com as informações que vão compartilhar, com quem vão compartilhar e aonde vão compartilhar, tornando-se um alvo fácil para os mal intencionados. 

Blog da Condessa – A legislação é ruim?

Lara Azevedo – A legislação a respeito do tema é falha e, infelizmente, sempre será. Como o direito só surge a partir do fato, primeiro há de surgir o fato (acontecimento) para que então surja o direito (lei) para regulamenta-lo. Logo, a legislação estará sempre “atrasada” em relação aos acontecimentos. No campo do Direito Digital essa situação se escancara, por se tratar da área que regula as relações dentro do meio eletrônico, ambiente de transformações aceleradas. Pode-se dizer que é uma missão quase impossível conseguir que o ordenamento jurídico acompanhe a velocidade das transformações sociais e tecnológicas. 

Blog da Condessa –  É praticamente consenso que, com uma ou outra ressalva, o Marco Civil da Internet foi um avanço?

Lara Azevedo – A criação do Marco Civil da Internet (MCI), lei que regulamenta a utilização da internet no Brasil, foi um grande avanço para o povo brasileiro. A legislação define direitos e deveres para quem usa a rede. Versa precipuamente sobre a privacidade e retenção de dados dos usuários, bem como, sobre a função social que a rede precisará cumprir.

Abaixo cito exemplos de diretrizes que foram estabelecidas por esse ordenamento, a fim de entendermos a importância de seu papel para os usuários da rede mundial de computadores:

  1. a) DIREITOS: É obrigatória a retirada de conteúdos ofensivos de sites, blogs ou redes sociais. A determinação acontece por ordem judicial e responde pelo delito quem produziu ou divulgou o material.
  2. b) DEVERES: É proibido violar a intimidade ou vida privada de outros usuários e divulgar ou compartilhar mensagens, vídeos ou imagens ofensivas.

Apesar de inquestionável o progresso que o MCI promoveu ao ordenamento jurídico do direito digital, é cediço que a legislação é prematura e deixou de englobar aspectos que ainda carecem de regimento.

Blog da Condessa – E quanto a lei para regular o uso de dados?

Lara Azevedo – A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi criada para regular o tratamento de dados pessoais das pessoas. Na prática, o regimento criou normas que visam assegurar os direitos de liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade natural. A LGPD representa uma mudança de mentalidade muito importante para os brasileiros, pois ela veio para definir o conjunto de direitos que os titulares dos dados possuem. Em conjunto, prevê mecanismos que aprofundam as obrigações de transparência entre os dados coletados do usuário e a instituição detentora da informação. 

Blog da Condessa – Desde a entrada em vigor do Marco Civil, as coisas passaram a tomar um rumo mais previsível. As companhias incluem nas iniciais o argumento de que não estão sediadas no Brasil e por isso não teria que responder às leis locais, mas acabam cumprindo as decisões judiciais.

Lara Azevedo – Muitas pessoas ainda não tem a compreensão do que significa vivermos em um mundo onde tudo e todos estão conectados. Estamos, a todo tempo, em todos os cantos do mundo, interligados pela rede mundial de computadores. Ocorre que, a internet não tem fronteiras.  Assim sendo, não podemos mais nos ater ao tradicional conceito de territorialidade.Há a necessidade de ser debatido e criado um conjunto normativo que adeque a nova realidade que vivemos, qual seja da Extraterritorialidade (ou Transterritorialidade) para o ordenamento jurídico, atualizando também os conceitos de jurisdição e de soberania. 

Blog da Condessa – Comente sobre o debate entre liberdade de expressão, direito à informação e direito ao esquecimento.

Lara Azevedo – A liberdade de expressão, consagrada como direito fundamental, assegura ao indivíduo o direito de se expressar de maneira livre, sem sofrer censura prévia. O direito à informação permite o acesso do público em geral aos dados detidos pelos governos nacionais e possibilita o requerimento de informações (públicas e privadas) mantidas pelo governo. A liberdade de expressão, consagrada como direito fundamental, assegura ao indivíduo o direito de se expressar de maneira livre, sem sofrer censura prévia. Já o direito ao esquecimento surgiu do desejo do ser humano de poder viver sem ‘rótulos’, sem ser eternamente estigmatizado por consequência de uma ação realizada no passado. Ele garante que informações públicas sobre um indivíduo possam ser removidas da internet. Naturalmente antagônicos, esses direitos enfrentam conflito entre aqueles que desejam proteger a vida privada dos indivíduos, aqueles que desejam garantir que informações de interesse público sem acessíveis e aqueles que desejam opinar livremente. É importante termos em mente que não existe um direito superior ao outro. O grande desafio é encontrar o equilíbrio ao se utilizar essas garantias de forma que elas sejam complementares e não excludentes. 

Blog da Condessa – Os provedores de conteúdo e conexão fornecem os dados de usuários de forma mais fácil hoje em dia ou ainda é uma batalha para consegui-los?
Lara Azevedo –
Atualmente tem sido mais fácil conseguir essas informações junto aos provedores, ao menos os dados básicos como número de IP, hora e data de acesso. Entretanto, devido à falta de diretrizes na legislação, muitas empresas tentam se esquivar das obrigações alegando que as informações estão armazenadas em um (ou mais de um) servidor localizado em um país diferente da sede.Essa maneira ultrapassada de lidar com os conceitos de territorialidade, soberania e jurisdição dificulta a obtenção de dados mais relevantes, como a localização geográfica do usuário. 

Blog da Condessa – O IP é como o CPF, cada um tem o seu? Explique como funciona, por favor.
Lara Azevedo –
A sigla IP, que em português se traduz para Protocolo da Internet, funciona como uma identidade do usuário. Cada aparelho possui um número de IP fixo (IP interno). Entretanto, assim que o gadget se conecta à internet, ele recebe um segundo número de registro, IP dinâmico (IP externo), que é sua identidade dentro da internet. Entretanto, para garantir a identificação do usuário são necessários, além do número de IP, os dados de GMT (data e hora) e a porta lógica, para o caso de IPs compartilhados. 

Blog da Condessa – Quais os erros mais comuns nas petições para remoção de conteúdo?

Lara Azevedo – O principal erro cometido quando se trata do pedido de remoção de conteúdo é a falta de clareza na causa de pedir. É possível que o profissional “embaralhe” os pedidos requerendo obrigação de fazer mais responsabilização civil contra o provedor de aplicações (ex. Facebook). Entretendo, o provedor só será passivo de responsabilidade civil caso venha a descumprir ordem judicial específica para a retirada de conteúdo. Outro erro muito comum é deixar de apontar o endereço acurado da URL (endereço de rede) em que o conteúdo que se pretende a retirada está localizado. 

Blog da Condessa – Como são os casos que mais aparecem para você?

Lara Azevedo – Os casos que mais aparecem são os relacionados com crimes contra a honra de alguém. Se trata de ofensas proferidas em redes sociais, de forma anônima ou não, sendo “campeões de ofensa” os grupos de WhatsApp e as plataformas Facebook/Instagram. Juntamente, os casos de violação de direito Autoral também chegam com alta frequência. São demandas em que a obra de um titular de direito de autor (músico, artista, letrista, fotografo, interprete, escritor, etc.) está sendo utilizada de forma indevida ou sem a autorização do titular dos direitos. Além disso, é comum também ser procurada pelo (a) cliente que requer a remoção de um conteúdo da internet a seu respeito, como casos de matérias em sites jornalísticos e outros meios em que seu nome esteja associado a alguma situação desfavorável/negativa.

Blog da Condessa – O que falta para o Brasil nesse campo do Direito Digital?
Lara Azevedo –
Primeiramente, diria que falta instrução e educação digital para os usuários da internet. Por se tratar de um fenômeno novo, que se passou a fazer parte da nossa vida de forma natural – e muito rápida e considerando que no começo seu uso era mais “recreativo”, os usuários enxergavam a internet como uma área inofensiva, sem ter zelo quanto seu uso. Entretanto, com o surgimento das modernas plataformas de redes sociais, a internet tomou um caráter de necessidade na vida das pessoas, que muitas vezes passam mais tempo conectados no mundo online do que de fato vivendo a realidade não virtual. Devido aos usuários estarem cada vez mais ligados na tela, acabam por ter a impressão de que estão em um ambiente conhecido cercado de pessoas amigas. Porém, esse quadro não reflete a realidade. A falta de educação digital, ou seja, a falta da conscientização dos usuários da rede sobre os riscos de compartilhar dados pessoais como: informações sobre hábitos familiares e sobre endereços que mais frequenta, descrição de rotinas, fotos pessoais e privativas, dados sobre o vínculo empregatício, entre outras, acaba sendo, na minha percepção, a principal falha relativa ao direito digital no Brasil. Claro que existem outras medidas úteis para melhorar o cenário digital no país, como a criação de delegacias especializadas e a capacitação dos agentes do Estado. Porém, penso que evitar a “causa”, ao invés de focar em lidar com a “consequência” (depois que o usuário já está prejudicado) é uma medida que traria maior segurança. 

Blog da Condessa – Quais cuidados que devemos ter com nossos dados?

Lara Azevedo –Todos possíveis. Como comentei no tópico anterior, as pessoas compartilham informações pessoais muito relevantes dentro de um ambiente que, apesar de parecer conhecido, é totalmente desconhecido. Meu principal conselho aos usuários da rede seria: não compartilhe informações sobre rotinas, membros da família, trabalho e fotos íntimas. Mesmo dentro de um grupo/conversa privado. As pessoas negligenciam esses dados, se esquecendo que o celular da pessoa com quem você trocou essas informações pode ser furtado e você acabar ficando exposto. Bem como, não consideram que as relações podem terminar e você ficar “refém” da pessoa que detém suas informações pessoais / íntimas. 

 

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo
Feito com muito 💜 por go7.com.br