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“Lutar contra a alienação parental é garantir um futuro de pessoas equilibradas”

Angela Regina Gama da Silveira Gutierres Gimenez é juíza da 1ª Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá. A magistrada, ex-presidente do  Instituto Brasileiro de Direito de Família de Mato Grosso (IBDFAM-MT), é formada pela PUC/SP e possui cursos de pós graduação. Também é conferencista nacional e internacional e foi condecorada com o título de Embaixadora da Guarda Compartilhada, em 2016. Em entrevista ao Blog da Condessa, a magistrada explica que a “a alienação parental quase sempre é praticada após a separação onde os genitores se encontram em grande estado de vulnerabilidade”. A juíza pontua ainda quais são os impactos da alienação parental para os filhos, quem mais comete a prática e quais são as punições previstas na legislação. Conforme ela, os prejuízos para as crianças são inúmeros. Confira:

 

Blog da Condessa – O que é alienação parental?

Angela Gimenez – A alienação parental é toda a prática capaz de debilitar um parente, quase sempre um dos genitores para uma criança ou adolescente. É um fenômeno psíquico que implanta falsas memórias com o fim de afastar aquele genitor, a ponto de nos casos mais graves a criança ou adolescente passar a odiá-lo. No Brasil, o combate à alienação parental vem previsto através da Lei 12.318/10 que já no seu início afirma: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

 

Blog da Condessa – Como se manifesta no dia-a-dia? Cite exemplos, por favor.

Angela Gimenez – A forma de manifestação é múltipla, pois se dá por toda a expressão de desvalor ao parente alienado, podendo, portanto, ser um gesto, palavras, atitudes, um sentimento, entre outros. A alienação parental é uma forma de abuso emocional. A lei traz exemplos expressos de como se pode caracterizar um ato de alienação parental. Mas além das situações trazidas no art. 2º da lei, muitas outras maneiras podem ser reconhecidas. A lei fala, por exemplo, em: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor, no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente e, mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. É visível quando um genitor começa a dificultar ou impedir o convívio do filho com o outro, utilizando-se de justificativas frágeis, tais como: hoje ele não pode ir porque esta enjoadinho ou porque marcamos um passeio ou ainda porque tem aula de catecismo, entre outros.

 

Blog da Condessa – Ela pode ocorrer de forma involuntária?

Angela Gimenez – A alienação parental quase sempre é praticada após a separação onde os genitores se encontram em grande estado de vulnerabilidade. O luto da separação é elevado, pois todos que se relacionam nutrem o sentimento de que aquela união será para sempre. É o que chamamos de “o mito do amor eterno”. Com isso, as pessoas não se preparam para as situações de separação e acabam sentindo uma dor profunda pela frustração daquilo que deveria ser para sempre e não foi. Nesse momento um vazio muito grande toma conta da pessoa que acaba por se afastar dos seus sonhos e de suas realizações existenciais transferindo para o filho a única forma de gratificação que tem na vida. Para uma pessoa que se sente vazia e sem perspectiva fica fácil usar do filho como única forma de ser vista ou reconhecida. Então pode acontecer de involuntariamente a pessoa começar a se opor ao convívio do filho com o outro genitor, sem perceber o grande mal que está fazendo para a criança. Esse afastamento do outro genitor vai desfazendo os vínculos existentes entre a criança e seu pai/mãe e o que é pior, sob o discurso de amor profundo e dedicação extrema por parte do alienador. A criança entra em grande sofrimento e angústia porque deseja conviver com os dois, porém se vê induzida a compactuar com o alienador para evitar que este sofra.

 

Blog da Condessa – Quem mais comete alienação parental?

Angela Gimenez – Não apenas os genitores podem cometer alienação parental, mas todo aquele que exerça de alguma forma influência sobre a criança ou adolescente. Então, podem ser os pais, os avós, padrinhos, irmãos mais velhos. No Brasil os números indicam que as mães são as que mais alienam, no entanto é importante que se diga que, isso ocorre, não porque as mulheres tenham mais propensão ao abuso emocional, mas sim porque ainda, temos as mulheres como o maior contingente de pessoas que exercem a guarda de seus filhos. Isso vem mudando, desde o advento da guarda compartilhada, cuja última lei, data de 2014[1] onde se instituiu no país o modelo legal de compartilhamento da guarda dos filhos, sempre que os pais não residirem na mesma casa.

 

Blog da Condessa – Quem tem maiores chances da prática? Em que situações?

Angela Gimenez – A pessoa que convive mais tempo com a criança tem mais chance de praticar a alienação parental, pois esta precisa de tempo para se instalar. Ela diz respeito à formação existencial daquela criança ou jovem. Ela implica numa construção de desvalia do parente alienado e isso só se dá com o tempo. A rejeição daquele parente vai sendo construída diariamente, esgarçando os vínculos afetivos que a criança possa ter com o outro genitor. São ações de efeito cumulativo, até que chegue o dia, em que a criança não aceita mais o outro genitor, crédula de que ele é um grande mal para sua vida. Os laços são rompidos e a imagem do alienado negativamente consolidada.

 

Blog da Condessa –  Qual o impacto desse conflito na vida de uma criança ou adolescente?

Angela Gimenez – Os prejuízos para as crianças são inúmeros. Primeiro porque não desfrutará do duplo referencial que tem direito de possuir, ou seja, o direito de receber valores de seu pai, sua mãe e das duas famílias extensas: avós, tios, primos, padrinhos. Segundo, a criança vive em permanente apreensão pelo conflito de lealdade que lhe toma por amar pai e mãe e ter de tomar partido de um deles. Além disso, a criança é colocada como único objeto de gratificação do alienador e por isso sofre com medo de falhar nessa responsabilidade de fazer seu pai ou sua mãe feliz. A angústia, ansiedade e sofrimento vão se tornando a tônica da vida daquela criança que pode vir a desenvolver graves transtornos psicoemocionais e até físicos. Desde ir mal na escola, fazer xixi na cama, roer unhas, até uma depressão que, em última análise pode estar associada à vontade de morrer. Morrer passa a ser uma hipótese para se livrar de tanto sofrimento.

 

Blog da Condessa – Há medidas protetivas?

Angela Gimenez – A própria Lei 12.318/14 apresenta um leque de alternativas que podem ser adotadas pela juíza, que são: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental. Porém, nesse aspecto a juíza é livre para tomar todas as medidas que entender necessária para fazer cessar a alienação, impedi-la ou evitá-la.

 

Blog da Condessa – A alienação parental pode ser considerada uma doença psicológica/psiquiátrica?

Angela Gimenez – A patologização da alienação parental tem gerado grandes discussões. No início dos estudos tratava-se a questão como uma síndrome, pois as crianças e adolescentes observados desenvolviam uma sintomatologia semelhante e recorrente. No entanto, a lei nº 12.318/14 não falou em síndrome e sim em atos de alienação parental. Por isso, não há necessidade de que a alienação parental avance para seu estágio mais severo a ponto de se desenvolver uma síndrome, para ser combatida. De todo modo, o reconhecimento de que os atos de alienação parental se configuram em abuso emocional é pacífico. A Lei° 13.431/2017, de 05 de abril de 2018, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e alterou a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), acrescentou em seu art. 4º, inciso II, alínea b, que a alienação parental é uma forma de violência psicológica. O certo é que a alienação parental é um complexo e dinâmico fenômeno biopsicossocial que causa grande prejuízo ao desenvolvimento integral das crianças.

 

Blog da Condessa – A alienação parental tem aumentado em época de quarentena?

Angela Gimenez – Nós não temos números sobre isso, pois a pandemia é recente no Brasil e teria começado, aproximadamente em 13 de março de 2020. No entanto, já é perceptível que algumas pessoas têm se valido da necessidade de confinamento social, para impedir que as crianças encontrem e permaneçam um período com seu outro genitor, mesmo nas situações em que a guarda é compartilhada.

Se a mãe e o pai não possuem comorbidades, detém o exercício pleno de seu poder familiar e se encontram em condições assemelhadas, nenhuma razão há para que as crianças não convivam com seus dois genitores, resguardadas as orientações das autoridades sanitárias. Além disso, uma preocupação se desponta é quando a gente percebe que a criança tem ficado exclusivamente com um genitor, na maior parte das vezes com a mãe, durante a pandemia. A sobrecarga sofrida quer seja pelo confinamento ou pela difícil situação econômica que atravessamos, tem elevado o nível de estresse dos adultos e provocado inquietação nas crianças que precisam permanecer em casa todo o tempo. Tal situação leva a uma maior probabilidade de castigos físicos e maus tratos por parte de quem não encontra tempo para descansar e exposto às incertezas quanto ao futuro. Assim, analisando-se por todos os ângulos, o exercício da guarda compartilhada com a divisão harmoniosa do tempo da criança com seus dois genitores é, sem dúvida, a forma mais adequada para superarmos todas as vicissitudes da vida que estamos enfrentando.

 

Blog da Condessa – Quais providências legais os pais podem tomar?

Angela Gimenez – Se algum genitor se encontra tolhido do convívio com seu filho pode recorrer à Justiça para fazer cessar esse distanciamento. O Poder Judiciário permanece, em teletrabalho, de forma ininterrupta e recebendo os pedidos de forma online. Em Cuiabá, todas as Varas das Famílias estão com seus processos digitalizados, restando fácil o acesso, por peticionamento. Se já há uma decisão judicial que garanta a convivência entre pais e filhos, a medida é a de cumprimento de sentença. Se a questão do convívio ainda não foi regularizada na Justiça é necessário que o interessado ingresse com uma ação de guarda com pedido de tutela de urgência. O tempo é muito importante para a consolidação dos vínculos afetivos e, por isso, as ações que tratam da guarda/convivência das crianças têm prioridade garantida por lei.

 

Blog da Condessa – Quais as punições?

Angela Gimenez – No Brasil, a alienação parental não é considerada como crime. Sendo assim, , as punições têm natureza civil que podem ir de uma advertência à suspensão do poder-familiar, passando, inclusive, por aplicação de multa. As crianças têm direito de serem acolhidas, orientadas e amadas por seus dois genitores e por suas famílias extensas. Devem ser blindadas dos problemas e conflitos do mundo dos adultos para assim poderem se desenvolver em ambiente seguro, harmonioso e afetivo. O dia 25 de abril é considerado o dia internacional de combate à alienação parental. Lutar contra a alienação parental é garantir um futuro de pessoas equilibradas, produtivas e felizes.

 

[1] Lei 13.058/2014

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