Cotidiano

“Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos”

Malu Jimenez é professora pesquisadora e doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Pós doutoranda em Psicossociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Palestrante, ministra cursos, workshops, rodas de conversa e oficinas sobre corporalidades gordas, escritas afectivas e performance fotográficas de resistência. É autora do livro “Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos”. É filósofa, feminista ativista e pesquisa gordofobia desde 2014. É fundadora do Pesquisa Gorda – Grupo de Estudos transdisciplinares das corporalidades gordas no Brasil e idealizadora do projeto lute como uma gorda.  Malu propõe uma filosofia gorda dentro de uma proposta de mudança de paradigma sobre corporalidades dissidentes, com uma revisão epistemológica sobre o discurso soberano de saúde, em uma perspectiva das corporalidades gordas. Confira a íntegra da entrevista!

Blog da Condessa – Por que a escolha do tema gordofobia, fruto de sua tese de doutorado?

Malu Gimenez – Primeiro porque fui uma criança, uma  adolescente, uma jovem, uma mulher gorda. Eu sempre estive nesse lugar de pessoa gorda. Então quando eu fiz o mestrado na UFMT em Estudos de Cultura Contemporânea eu fui pesquisar a relação entre mulheres patroas e empregadas domésticas a partir da alimentação. Nessa pesquisa comecei a perceber que as mulheres tanto as mais pobres como as mais ricas, as negras, todas elas tinham uma fixação, inclusive um temor, em engordar. Além disso, muito tempo das suas vidas eram gastos nessa preocupação de planejamento da alimentação como da atividade física, bem como forma de se vestir. Isso me chamou muita a atenção. Na sequência, comecei a abrir minha percepção pro mundo e pude observar que em todos os lugares que eu ia como a sala dos professores, na faculdade,  ponto de ônibus, em festas, um dos temas principais que se ouvia era sobre emagrecimento. Então isso que chamou muito a atenção por ser já uma mulher gorda e comecei a desconfiar que existia aí um fenômeno social. Em 2014 quando comecei a estudar as corporalidades gordas a gente não ouvia falar sobre gordofobia, muito pelo contrário. Sendo assim  tive que pesquisar fora do Brasil pra descobrir que existiam pesquisadores dos corpos gordos e que existia um conceito chamado gordofobia. Quando comecei a estudar sobre isso muita coisa começou a fazer sentido e eu me reencontrei nesses estudos e a partir daí tive a ideia do projeto de doutorado e propor uma pesquisa sobre o corpo gordo no Brasil.

Blog da Condessa – Você tem publicações sobre o assunto?

Malu Jimenez – O livro “Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos”.

Blog da Condessa – Que descobertas que você fez nessa imersão?

Malu Jimenez – Foram muitas. Mas principalmente que eu comecei a entender atitudes e situações que eu tinha passado, que eu passei desde a minha infância por eu ser uma pessoa gorda e que eu me culpabilizava por isso. Eu não sabia que existia um estigma que se chamava gordofobia, que era estrutural , institucionalizado, cultural. E, que isso fazia com que eu passasse por situações de violência. Foi a partir do meu corpo , da minha história que eu comecei a entender o que era gordofobia e isso acabou aparecendo na tese, pois eu parto da minha história, do meu corpo pra falar de outras mulheres também através de depoimentos denunciando o que uma mulher gorda passa desde a sua infância até sua vida adulta, e quais as consequências disso. Inclusive reivindicando ações na universidade, na academia, na saúde sobre essas pessoas. Sigo estudando o corpo gordo mesmo depois do doutorado, da tese, do livro, de artigos. Enfim, nunca parei. Hoje, faço pós-doutorado psicossociologia na UFRJ estudando ainda as corporalidades gordas, as mulheres gordas. Porém, focada na saúde como violência com esses corpos.

Blog da Condessa – O que é gordofobia e a discussão estética?

Malu Jimenez – A gordofobia pode ser identificada em várias facetas da sociedade contemporânea, já que ela é uma discriminação que leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa estigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos na sociedade contemporânea. O prejulgamento acontece por meio de desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensa e restrição dos corpos gordos de modo geral. A gordofobia está em todos os lugares e é, muitas vezes, disfarçada de preocupação com a saúde, dificultando, dessa forma, seu entendimento e embate. Sustentada por discursos de poder, de saúde e beleza como geradores de exclusão, existem comportamentos diários que reforçam o preconceito/estigma em relação às pessoas gordas, corroborando os estereótipos que estabelecem situações degradantes, constrangedoras, marginalizando as pessoas e as excluindo socialmente.

Já a discussão estética transpassa a discussão da gordofobia, mas é uma outra opressão.

Blog da Condessa – Comente sobre a gordofobia nas redes sociais, por favor.

Malu Jimenez – Como mencionei anteriormente, a gordofobia é estrutural, institucionalizada e cultural. Ela faz parte do nosso dia a dia. Está desde dentro da nossa família, nas escolas, nos consultórios médicos. Enfim, ela está em todo lugar. A forma como a gente pensa, como se organiza é gordofóbica. Então ela também vai estar nas redes sociais através de memes, de perfis que humilham e que colocam a pessoa gorda como inferior e até dos ataques gordofóbicos. Por exemplo, no meu instagram se você der uma olhada tem vários ataques de pessoas que não conseguem entender a proposta do perfil. Tentam me derrubar, derrubar a página em um discurso de ódio. Acontece assim nas redes sociais em vários perfis de mulheres gordas, ativistas, modelos, youtubers, entre outros.

Blog da Condessa  -Na sua opinião, quais são os efeitos para quem sofre discriminação?

Malu Jimenez – As consequências são devastadoras. Inclusive, posso falar em primeira pessoa. Imagine uma pessoa sofrer de preconceitos como humilhação, exclusão, violências desde a sua infância. A pessoa gorda sofre gordofobia praticamente todos os dias da sua vida seja com vizinho, sua própria família, com relacionamentos, na escola, no trabalho. Inclusive há pesquisadores, sociólogos como o Erving Goffman e seu livro Estigma onde ele argumenta que os próprios estigmatizados se sentem culpados  por sofrerem essa violência  do preconceito. E isso também acontece com as pessoas gordas. Além de sofrerem toda essa violência , as pessoas gordas se sentem culpadas, pois dentro da sociedade é passado pra gente desde a infância  que ter um corpo gordo é errado. Que só é gordo quem quer. Ainda, infelizmente, existe a ideia do senso comum totalmente equivocada de que a pessoa é gorda porque ela quer ser gorda.. Ela come muito, fica deitada, não faz nada. No entanto, já temos inúmeros estudos que mostram que não é bem assim. Há muitos fatores relacionados no contexto pessoa gorda ou magra.

Blog da Condessa – Existe um pré-julgamento baseado na aparência física. De que forma isso impacta na vida das pessoas?

Malu Jimenez – O corpo é um cartão de visita e infelizmente está associado a muitas outras coisas. Numa sociedade racista, homofóbica, classista, gordofóbica dependendo do corpo  as pessoas já associam virtudes ou defeitos  dentro de um imaginário social àquela pessoa. Por exemplo, como é publicado, acreditado nas mídias, na saúde que um corpo gordo é um corpo inferior, doente e preguiçoso toda vez que uma pessoa olha um pessoa gorda na rua ou no trabalho ou ainda numa entrevista de emprego essa pessoa vai associar esse corpo  a algo ruim, algo preguiçoso, que não deu certo na vida,. Ou seja, a aparência física é julgada em função dessa construção de estigmas em nossa sociedade. É como se existisse um corpo padrão, um protótipo que está na escala máxima que é o corpo branco, hetero cis masculino. Já o restante dos corpos numa classificação sendo o corpo gordo numa das últimas classificações de como as pessoas percebem as outras pessoas

Blog da Condessa – Gordofobia é preconceito institucionalizado?

Malu Jimenez – Sim. Ela é estrutural. Em todos os espaços, lugares, mentes e pessoas.

Blog da Condessa – As mulheres são mais afetadas por esse preconceito?

Malu Jimenez – Sim.  A nossa sociedade é extremamente machista. Há uma cobrança de que a mulher tenha um corpo dentro desse protótipo de magra, bela, feminilidade. Então todas as pessoas sofrem gordofobia. Mulheres, crianças, jovens, homem, mulher. No entanto, a mulher sofre mais em função da cobrança social de beleza.

Blog da Condessa – Situações de gordofobia na escola, ambiente de trabalho, falta de acessibilidade. Por exemplo, Recife tornou-se a primeira do Brasil a ter legislação específica para o combate à gordofobia. Como pautar essas questões, em que esferas, âmbitos?

Malu Jimenez – As pesquisas no Brasil do corpo gordo, não sou a única pesquisadora, há vários pesquisadores no país – apesar de ter iniciado nos Estados Unidos e na sequência ter se espalhado- juntamente com o ativismo gordo. Temos discutido e no ano passado teve um debate na Câmara de Deputados em Brasília  com a ideia de criar um grupo de trabalho sobre o tema. Aqui em Mato Grosso também já acontece essa discussão, apesar de ainda ser tímida. Porém, ainda não existe nenhuma pauta , legislação específica no combate a gordofobia. Esse debate na esfera pública é importantíssimo.

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