Nacional

“Não se deve tornar o Setembro Amarelo em uma campanha de marketing amarelo”

Psicóloga fala de depressão e quadros de adoecimentos psíquicos.

Diariamente, 23 pessoas no Brasil tiram a própria vida. O dado chama a atenção e reforça a importância do cuidado e da atenção com a saúde mental. É o que destaca a psicóloga e mestre em psicologia clínica pelo Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC de São Paulo, Isabela Guedes.

Ela abordou o tema em entrevista para a rádio institucional do TRT de Mato Grosso (TRT FM 104.3). Durante o bate-papo, a especialista falou ainda sobre as consequências do suicídio para familiares e amigos e deu dicas de como apoiar pessoas em sofrimento.

Qual a importância de falar sobre a saúde mental?

Precisamos falar muito sobre saúde mental. Com a chegada da pandemia, o que a gente vê é que a preocupação com a saúde mental, que já existia há muito tempo, era muito pouco falada ou, se falada, apenas por profissionais da área. Não era algo que no senso comum se falava muito como se fala hoje desde que a pandemia começou.

Se é que podemos tentar encontrar algum ganho dentro de uma situação tão difícil, é que mais pessoas estão falando sobre saúde mental e entendendo a importância disso.

Cada faixa etária precisa de cuidados diferentes. A gente deve falar de saúde mental promovendo saúde e não cuidando das crianças, adolescentes ou adultos, quando a doença já está instalada.

A depressão é um gatilho para o suicídio? Quando familiares e amigos devem ficar atentos?

Se associa muito o suicídio aos transtornos psiquiátricos, principalmente com a depressão. É importante lembrar que o suicídio é um fenômeno multifatorial e a gente não pode dar atenção apenas a uma parte muito médica, a uma parte muito orgânica e fisiológica e esquecer todos os outros fatores que são também muito relevantes na vida de uma pessoa.

É preciso olhar como um todo. A questão social, como é que ela se relaciona, o ambiente que ela vive, se é um adulto, o trabalho, se é criança e adolescente, são a escola e os amigos.

A depressão é uma situação significativa no quadro de adoecimentos psíquicos. Não se trata só de uma doença que se desenvolve. Existe algo naquele indivíduo que é exclusivamente dele e vai fazer ele desenvolver uma depressão.

A depressão também conta com fatores orgânicos, genéticos e ambientais. Nunca a gente vai poder olhar só por um ângulo. Precisa de uma avaliação de um profissional adequado para que o diagnóstico seja bem feito e seja tratado. Com isso a vida melhora como um todo.

Quando uma pessoa comete suicídio é comum pensar primeiro na vítima. Mas como é possível trabalhar o luto de familiares nestes casos?

O luto por suicídio tem características próprias. Um dos pontos que a gente precisa observar é como foi que a morte aconteceu. A morte aconteceu de uma forma inesperada? Estava doente? Foi sem preparo? Foi violenta? O luto dos que perderam entes queridos por suicídio traz algumas características. A que aparece com muita força é o sentimento de culpa.

Agora, na situação da pandemia, a perda de alguém por covid traz alguns elementos relacionados ao sentimento de culpa também. O suicídio traz perguntas como: será que poderia ter feito algo diferente? Será que poderia ter visto algo e não vi? Muitas vezes, são essas as perguntas que os enlutados escutam das pessoas.

Grupos de apoio ajudam muito no luto por suicídio porque é uma oportunidade de estar com outras pessoas, ouvir outras pessoas e perceber que isso não acontece só com ele e entender qual o processo do luto por suicídio.

Pelo menos 13 mil pessoas todos os anos morrem vítimas de suicídio. A campanha Setembro Amarelo busca diminuir esses índices. Qual a importância dessa campanha?

O Setembro Amarelo é um fenômeno de engajamento. Nem sempre é preventivo, infelizmente. Muitas vezes os profissionais da área ficam preocupados. Não se deve tornar o Setembro Amarelo em uma campanha de marketing amarelo, como a gente chama.

Quero aproveitar a oportunidade para trazer uma informação muito importante sobre uma informação errada que tem sido veiculada há muito tempo nos setembros amarelos. As pessoas quando disponibilizam essa informação, não se dão conta do que elas estão falando para os enlutados.

Existe um dado muito repetido: “A cada 10 pessoas que morreram por suicídio nove poderiam ter sido evitados”.  Isso significa para um enlutado que ele faz parte dos 10% que não viram, não fizeram, não salvaram, não perceberam, não cuidaram. Entendem que falharam e por isso não conseguiram evitar que o suicídio acontecesse. Essa informação foi distorcida ao longo do tempo e não pode ser vista fora de um contexto.

Esse dado veio a partir de uma pesquisa feita em prontuários de pessoas que haviam falecido por suicídio. Nesses prontuários foram identificados possíveis sinais de que essas pessoas estavam em sofrimento e de que, portanto, poderia ter um suicídio em curso. Mas veja que o diagnóstico foi feito após a perda e não enquanto a pessoa estava viva.

Muitos enlutados quando perdem alguém se lembram de fatos ou comportamentos que poderiam indicar sofrimento ou que algo estivesse acontecendo, mas que não foi percebido na época. Por isso, esse dado não pode ser comunicado dessa forma. A não ser dentro de uma discussão onde possa se trazer esse conceito e de adoecimento psíquico. Mas a gente não pode divulgar essa informação no Setembro Amarelo de um jeito tão superficial e tão raso. Não é assim que acontece.

O Setembro Amarelo precisa crescer, não no sentido de quantidade de informações, ele cresceu muito nos últimos anos e tem muitas pessoas falando sobre o tema em setembro. Para os enlutados é um mês muito difícil. Sou muito grata por estar aqui trazendo essas informações quase como uma porta voz dos enlutados, principalmente com relação a essa informação dos 90%. Quem puder passar isso para frente já vai ser de grande valia.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo
Feito com muito 💜 por go7.com.br